Protagonismo negro inspira mesa histórica na 13ª FlinkSampa

Sob a mediação da jornalista e apresentadora Alinne Prado, painel foi protagonizado pelo professor e historiador Petrônio Domingues e pelo poeta e escritor Oswaldo de Camargo

O protagonismo negro no século XX fundamentou uma mesa histórica nesta 13ª FlinkSampa – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, realizada no Sesc Pompéia nos dias 15 e 16 de novembro. Sob a mediação da jornalista e apresentadora Alinne Prado, o encontro intitulado O Protagonismo Negro no Século XX reuniu dois grandes intelectuais negros: o professor e historiador Petrônio Domingues e o poeta e escritor Oswaldo de Camargo.

Oswaldo contou que o caminho para se tornar protagonista passou, primeiro, pela ressignificação de uma desgraça familiar. “A minha mãe morreu quando eu tinha 6 anos e fui internado em um orfanato, onde aprendi a ler. O analfabetismo era o companheiro mais forte da miséria para o negro na minha época. Saber ler mudou os rumos da minha vida”, disse ele, lembrando que o pai e a mãe de Machado de Assis eram leitores.

Foi nas palavras que Oswaldo encontrou a luz para iluminar a escuridão da violência e do preconceito em seu caminho. “Aos 12 anos, um sacerdote espanhol falou à pessoa responsável por mim no orfanato que não acreditava em negros porque eram violentos e sensuais. Esse era um pensamento normal. O negro não está fadado à beleza e à transcendência. A maneira que encontrei para rebater isso é a escrita. Esta frase marcou a minha vida e irei rebatê-la até o fim”.

Essa narrativa colonizadora que coloca o negro como agressivo e o indígena como preguiçoso atravessa gerações e se perpetua até hoje, apontou Alinne. “O quanto é preciso ouvir e sofrer para alcançar novos patamares?”, questionou ela.

Petrônio Domingues, autor do livro Protagonismo Negro em São Paulo (Edições Sesc) ressaltou que Oswaldo de Camargo é um ícone intelectual para sua geração. “A minha alegria é gigantesca de estar ao lado do Oswaldo. O que ele tem de simplicidade, ele tem de erudição e sofisticação intelectual. É desses intelectuais que nos inspiram. Ao ler sua obra a gente tem insights para pensar o protagonismo negro. É um misto de alegria e honra estar dividindo esta mesa com ele”.

Petrônio enfatizou que falar de protagonismo negro significa produzir uma contranarrativa do que foi cristalizado sobre o negro no Brasil. “O mito da democracia racial vem sendo desconstruído. Cada vez mais a sociedade brasileira reconhece o problema do racismo. Os intelectuais negros, que surgiam de modo episódico e com atuação individualizada, hoje estão atuando de modo coletivo com impacto que vem mudando não só a cara das universidades, mas a mudança de consciência”.

Este novo momento está ligado às políticas afirmativas e maior sensibilidade das editoras para dar visibilidade à produção literária negra no país, identificou Petrônio. “A sociedade brasileira está sedenta por ler autoria negra. É sintomático pensarmos a republicação das obras de Carolina Maria de Jesus e de Oswaldo de Camargo pela Companhia das Letras. São autores que publicaram desde a década de 1950, mas não tinham espaço”.

Oswaldo sublinhou que houve e há o apagamento de tudo o que mostre ao negro que ele pode transcender. “A literatura é um instrumento de igualdade e de protagonismo. A própria cor do negro já é uma fala. Quando o negro está na realidade do branco, ele já está falando sem dizer uma única palavra. Use o instrumento que você tem. O meu é a palavra, a literatura, o verso”.

“O negro tem que cavar sempre no fundo. Tem que fazer sempre para mostrar. O negro já começa com desvantagem. A literatura é instrumento para quebrar essa desvantagem. Às vezes a literatura do negro é mais para o branco do que para o negro. Apagamento é também o fato de não ler. Quando eu não leio eu deixo de me municiar para interpretar melhor o meu país e tomar atitudes. A minha fé na literatura e nas pessoas que acreditam na arte é imensa. O negro está tentando modificar esse país e vai conseguir”, ensinou Oswaldo, autor da obra A Descoberta do Frio (Companhia das Letras).

Petrônio ressaltou que não há mais espaço para a inviabilização e apagamento do protagonismo negro neste novo momento. “O Oswaldo sintetiza o protagonismo negro nos século XX e XXI. Na década de 1960 ele criou uma revista para falar sobre grandes personalidades negras. Naquele período ele já falava de Maria Carolina de Jesus na revista que criou chamada NIGER.

Petrônio apresentou um panorama sobre a história do que movimento negro e o papel essencial da imprensa negra. “A imprensa negra surge no Império, ganha impulso no período pós-abolição, e se fortalecem na segunda república com linha editorial, narrativa, abordagem. Hoje estamos diante do Oswaldo, que pensou a comunicação negra com seus pares e diversos segmentos da sociedade civil, dialogou com o estado brasileiro. A imprensa negra foi muito importante para fomentar a consciência racial e estabelecer uma rede de conexões de pessoas negras no Brasil, nas Américas e afro-diáporas, dando visibilidade para a questão racial e protagonismo negro”.

O historiador pontuou que a primeira abolição garantiu a conquista da liberdade. Desde então a luta é pela segunda abolição. “A segunda abolição é a conquista da igualdade no plano do direito e cidadania, e ela está na ordem do dia. É o dever de cada nação, de cada um de nós lutar por um Brasil democrático, inclusivo, que respeita, valoriza a diversidade, que reconheça a história, o legado e o patrimônio negro. Hoje temos a honra de estar aqui com Oswaldo de Camargo, que é um patrimônio cultural vivo”.

Oswaldo jogou luz sobre algo que considera tão perigoso quanto o racismo: a indiferença. “E poucos falam a respeito. Se não houvesse a indiferença para a questão racial, muita coisa teria sido mudada. Diz-se: ‘racismo não existe, é criado, é fictício’. Não se pode ser indiferente a essa questão. A indiferença é o sono da alma”.

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