Na 13ª FlinkSampa, pesquisadoras humanizam a história de Luiza Mahin

Sob à luz de novos documentos e com mediação da Pós Doutoranda em Antropologia e Doutora em Ciências Humanas e Sociais, Dulci Lima, painel reuniu a escritora Ligia Fonseca Ferreira; a historiadora, professora e vencedora do prêmio Jabuti, Wlamyra Albuquerque; e a pesquisadora e Doutora em Letras, Lisa Earl Castilho

O primeiro dia da 13ª FlinkSampa movimentou as ideias e a história no Sesc Pompéia, n capital paulistaa. A mesa Luiza Mahin sob novas luzes revelou novas facetas sobre umas das personagens que mais despertam fascínio nos últimos anos: Luiza Mahin, a mãe do abolicionista Luiz Gama. Até então Mahin era vista por narrativas costuradas a partir de relatos de Luiz Gama ou fragmentos soltos, apresentando-a como uma heroína envolta a uma aura mística.

Quando Dulci Lima iniciou o mestrado focado na imprensa negra e se deparou com a incerteza quanto a existência ou não de Mahin, decidiu mudar o seu tema e iniciar uma busca pela verdadeira história da mulher conhecida sobretudo como mãe de Luiz Gama e como ativista que havia lutado pela abolição e liderado rebeliões, entre elas a dos Malês. “Vê-la como um mito foi um espanto para mim. A partir do trabalho da Ligia eu comecei a identificar quem tinha falado o quê de Mahin”, contou Dulci.

A pesquisadora Ligia Fonseca, autora da obra Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, explicou que a figura heroica projetada sobre Mahin teve origem, em grande parte, na obra ficcional do escritor baiano Pedro Calmon intitulada Malês – A insurreição das Senzalas. “Ali aparece uma Mahin sexualizada, chamada de feiticeira e a projeção de que ela seria proclamada rainha se a rebelião dos Malês tivesse sido concretizada. Até as descobertas dos novos documentos tinha-se muitas incertezas sobre Luiza Mahin”.

As pesquisadoras apontaram que as cartas de Luiz Gama retratam Mahin a partir da necessidade pessoal de uma narrativa política. A historiadora Wlamyra Albuquerque observou que o caso Mahin evidencia um diálogo tenso entre o que é chamado de história e o que é chamado de memória social. “Uma não precisa da outra para ser justificada nem provada”, afirmou ela, lembrando que os riquíssimos arquivos brasileiros gritam e estão cheios de histórias de pessoas como nós.

“Nós, pesquisadores e historiadores, somos movidos pelo presente, não pelo passado. É um trabalho de garimpo para encontrar o que interessa à sociedade hoje. A conversa entre história e memória social nos ajuda a entender como estamos construindo as nossas estratégias de luta contra o racismo hoje, a pensar sobre o movimento negro e o ofício do historiador. Toda sociedade tem que defender e frequentar os arquivos, pois são as matérias-primas da construção do passado e do futuro”, destacou Wlamyra.

A historiadora pontuou que a liderança mística de Mahin está muito presente na memória social e chamou a atenção para o fato de que os personagens estão ficando mais destacados do que as próprias lutas das quais participaram. “A minha geração estava preocupada com mobilizações e lutas coletivas”, comparou Wlamura, que observa que Mahin aparece como uma mulher multifacetada no romance Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves, que se tornou em 2025 a primeira mulher negra imortal da Academia Brasileira de Letras.

A pesquisadora Lisa Castilho, responsável pelas recentes descobertas de documentos que reposicionam a história de Mahin e da família Gama, revelou que Mahin não era livre. “O registro de batismo revela que ela foi escravizada pelo pai do seu filho, que era seu senhor. Ou Gama não se lembrou disso ou quis ocultar algo. Um registro de 1838 mostra que Mahin foi presa a pedido do senhor dela, Antonio Agostinho Carlos Pinto da Gama, o pai que Luiz Gama ocultou em suas cartas”, disse ela, que descobriu que Luiz Gama nasceu em 21 de junho de 1931, e não em 1930, como se pensava”.

Wlamyra ressaltou que a liderança mística de Mahin está presente na memória social e resulta do esforço de ocupar o silencio. “A gente constrói essa mulher destemida, guerreira. É importante pensar sobre esse movimento. A história é feita por pessoas comuns, que tem dilemas, dificuldades e dúvidas como pessoas comuns. Mahin era uma quituteira e a trajetória dela ajuda a gente entender sobre essas mulheres comuns, que viviam do trabalho de vender na rua, a dureza de ter tido um filho com o seu senhor. Nos interessamos pelo humano. A humanidade é a condição para a construção social”.

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