Fonte: Estadão
Ei leitor: quantos autores negros ou negras você já leu? A literatura negra pode ser encontrada com várias nomenclaturas como literatura afro-brasileira, literatura afrodescendente ou literatura negro-brasileira. Nela, encontramos personagens que assumem a escrita de sua história, apresentando o jeito de ser e de viver da gente negra brasileira no campo ficcional. Trata-se de um panorama com narrativas além do cânone, textos que propõe rasuras no âmbito tradicional, onde personagens negras são apresentadas com escassez ou ainda de forma estereotipada, não complexificada nem humanizada.
Além disso, questões relativas à identidade e a subjetividade, à ancestralidade negra, ao legado africano e também o dos negros da diáspora, suas vitórias, conquistas, desafios, afetos, entre outros temas. A literatura negra abarca questões culturais e ideológicas, desafia o conceito da literatura universal, do negro como o simulacro do branco, subalternizado e vilipendiado de acordo com as contações que contribuem para a cristalização do racismo e dos espaços brancos de poder.
Nas obras em questão, o eu lírico negro se quer como negro e afirma a sua identidade com orgulho, combate a autonegação de sua imagem, utiliza propostas de linguagem que também abarcam palavras oriundas de línguas africanas, temas, ritmos, pontos de vistas outros de invenção na composição textual.
O professor Dr. Eduardo de Assis Duarte, da UFMG é um dos pesquisadores que podemos destacar pelo seu amplo estudo e pesquisa na temática inclusive pela construção do portal www.letras.ufmg.br/literafro, com um catálogo de A a Z de autores negros brasileiros.
No que se refere aos autores podemos destacar desde o século XVIII nomes de expressão como Esperança Garcia, Maria Firmina dos Reis, Auta de Souza, Gonçalves de Magalhães, Luiz Gama, o Editor Paula Brito, Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras, Cruz e Souza, Gonçalves de Magalhães, Cruz e Souza.
No fim dos anos setenta, no rufar dos movimentos de libertação de vários países africanos e da fundação do Movimento Negro Unificado no Brasil, o MNU, foi lançado em 1978 a antologia Cadernos Negros, por Esmeralda Ribeiro, Cuti e Márcio Barbosa, livro publicado até hoje ininterruptamente, alternando uma coletânea em prosa e outra em poesia, por esse coletivo com 43 anos de fundação.
No campo das individualidades, cabe destacar nomes como Carolina Maria de Jesus, Carlos de Assunção, Conceição Evaristo, Miriam Alves, Geni Guimarães, Cuti, Éle Semog, Jamu Minka, Plínio Camillo, Lívia Natália, Elizandra Souza, Ana Maria Gonçalves, Allan da Rosa, Mel Duarte, Eliana Alves Cruz, Akins Kintê. São autores oriundos de recantos outros, periféricos, quilombolas, nordestinos, nortistas, em comunidades de terreiro, identidades LGBTQIA+ apresentando vários gêneros e estilos de narrativa a confirmar a pluralidade das vozes autorais negras.
Vale a pena considerar esses caminhos de alteridade no restrito cenário autoral das letras brasileiras que ainda publica majoritariamente homens, ricos, brancos e sudestinos. Consumir e dar visibilidade à literatura negra é um ato democrático, um letramento racial, um convite urgente para todos que desejam conhecer mais sobre a ancestralidade negra e a história do Brasil, assim como valorizar a intelectualidade, a cultura e as conquistas do povo negro.
A título de exemplo, em se tratando de propostas literárias, destaco a antologia PRETOS EM CONTOS – VOLUME 2 em produção e com lançamento previsto para esse ano, com textos até 1000 caracteres, de dezesseis autores com tramas múltiplas, revelando a riqueza de contextos considerando a impossibilidade da criação de protocolos únicos para a negritude. Nas histórias, que terei o prazer de publicar pela minha editora Aldeia de Palavras, homens, mulheres, crianças, comunidades, revelam situações da realidade e além dela e abrindo uma seara de discussão estética e de fruição a adensar e colorir o repertório da literatura nacional.
Referências
Por um conceito de literatura afro-brasileira. Eduardo de Assis Duarte. https://www.letras.ufmg.br/literafro/artigos/artigos-teorico-conceituais/148-eduardo-de-assis-duarte-por-um-conceito-de-literatura-afro-brasileira
*Cristiane Sobral é carioca e vive em Brasília. Atriz, escritora, professora de teatro. Tem 10 livros publicados, o mais recente é Amar antes que amanheça, Ed. Malê, RJ. Em 2021 lançou a Editora Aldeia de Palavras. Foi jurada do prêmio Jabuti de Literatura, contos. Palestrou sobre literatura negra em 9 universidades estadunidenses, inclusive Harvard