13ª FlinkSampa destaca a inteligência de Machado de Assis na luta contra o racismo

Painel reuniu o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Godofredo de Oliveira Neto; a ativista brasileira de direitos humanos e doutoranda na Universidade de Picardie Jules Verne, Suzete Kourilandski; e o diretor do Observatório Fundação Jean Jaures – Paris, Jean-Jacques Kourilandski

Neste segundo e último dia da 13ª FlinkSampa – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, realizada no Sesc Pompéia, em São Paulo, o público teve a oportunidade se aprofundar em Machado de Assis no painel Machado de Assis: um escritor negro em Paris, que reuniu o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Godofredo de Oliveira Neto; a ativista brasileira de direitos humanos e doutoranda na Universidade de Picardie Jules Verne, Suzete Kourilandski; e o diretor do Observatório Fundação Jean Jaures – Paris, Jean-Jacques Kourilandski.

A conversa destacou um projeto para a instalação de um busto de Machado de Assis na Square d’Amerérique Latine, uma praça em Paris criada em 1936 que reúne bustos de escritores, intelectuais e personalidades latino-americanas do século 19. Um projeto de Suzete Kourilandski, que aguarda uma aprovação da prefeitura central de Partis, busca reparar a ausência do grande escritor brasileiro naquele espaço.

“Descobri essa praça e vi que tinha busto de diversos escritores e não tinha uma representação brasileira. Tem do Peru, da Venezuela, Uruguai. Vendo o contexto da Square d’Amerérique Latine eu apresentei um projeto à prefeitura de Paris para inserir o busto de Machado de Assis, um homem afro-brasileiro. Nos prometeram que seria votado, mas até agora não andou”, explicou Suzete, presidente da Associação Almaa, que trabalha em Paris com comunidades negras da América Latina e África.

O projeto de Suzete foi abraçado pela Academia Brasileira Letras e pela Fundação da Jean Jaures. O diretor do Observatório Fundação Jean Jaures – Paris, Jean-Jacques Kourilandski, ressaltou que apoia fortemente a instalação de um busto de Machado de Assis em Paris. “Machado de Assis representa a maior comunidade negra do mundo e precisa estar em Paris. O grande escritor afro-brasileiro precisa estar nesse lugar simbólico de Paris dedicado aos grandes intelectuais do século 19”.

Jean-Jacques ressaltou que Machado de Assis é estudado nas universidades, ainda em círculos minoritárias, e suas obras são editadas na capital francesa. “Estamos apoiando este projeto para defender a tradição cultural de diversidade de Paris. Os afrodescendentes do Brasil têm a maior representatividade no continente americano. Por conta da economia dominante norte-americana, a diversidade cultural está reduzindo pouco a pouco”.

O escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Godofredo de Oliveira Neto, sublinhou que Machado sempre foi o grande autor brasileiro. “Nos últimos anos ganhou muita simpatia do movimento negro, que apadrinhou Machado como um dos seus, e pelos movimentos feministas por conta de Capitu. Não ter um busto de Machado onde já há de outros expoentes da literatura latino-americana já é um sintoma de não consideração”, disse o especialista na obra machadiana.

Godofredo apontou três temas que revelam que Machado de Assis enfrentou o racismo com a sabedoria que lhe era singular, lutando com dragão de dentro, não no enfrentamento externo. O primeiro é o que instinto de nacionalidade, o segundo é o feminismo por meio de Capitu, e o terceiro é o movimento negro no Brasil sob o palco do abolicionismo. Machado expressava o seu posicionamento político com muita inteligência. O Machado estava buscando o instinto de nacionalidade, e a alma disso era integrar a população afrodescendente”.

“Esses três enfoques são um só. Quando ele fala de nacionalidade, há uma tentativa de pensar a nacionalidade brasileira integrando toda a ação. A sua literatura vai ao encontro da nação, e da nação negra. Machado pensa, sim, no movimento negro. Ele foi um militante com grande astúcia. Ele tem extrema sutiliza. Como Perseu, que não é petrificado porque não olha diretamente nos olhos de Medusa, vendo-a pelo reflexo do espelho, Machado faz a mesma coisa, olhando de modo “obliquo e dissimulado”.

O escritor apontou uma série de passagens na obra machadiana que evidenciam a denúncia do autor contra a perversão, a violência e as condições das populações escravizadas. “Machado estava extremamente envolvido pelo fim da escravidão. Ele escreveu: “O Ceará é uma estrela, é mister que o Brasil seja um sol”. O Ceará foi o primeiro estado brasileiro a abolir a escravidão no país. Se isso não é ser contra o fim da escravidão, não sei o que é. Está explícito. Só não vê quem não quer”, enfatizou Godofredo.

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