13ª FlinkSampa debate o poder da escuta como instrumento de pertencimento e partilhamento

Conduzida por Fernanda Sousa (à esquerda na foto), a mesa “Com a palavra, As Pretas: Narrativas de Mulheres Negras” reuniu a escritora e auxiliar de enfermagem do SUS, Lilia Guerra, e a pesquisadora de relações raciais na saúde, psicóloga e psicanalista Mônica Mendes Gonçalves (de vermelho na foto)

Com uma edição histórica e essencialmente dedicada às mulheres, a 13ª FlinkSampa – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra terminou neste domingo (16), no Sesc Pompéia, em São Paulo, com o painel intitulado “Com a palavra, As Pretas: Narrativas de Mulheres Negras”. Mediado por Fernanda Sousa, o encontro reuniu a escritora Lilia Guerra e da pesquisadora de relações raciais na saúde, psicóloga e psicanalista Mônica Mendes.

A conversa foi inspirada pelo livro “Com a palavra, as pretas”, lançado original em 1978 pela senegalesa Awa Thiam e publicado no Brasil em 2025 pela Edições Sesc. A obra apresenta depoimentos de mulheres de diversos países africanos que denunciam violências a que foram submetidas pela objetificação no contexto da colonização, como mutilações genitais e casamentos forçados em sistemas poligâmicos.

Fernanda iniciou o painel contextualizando que não existe história do Brasil sem o povo negro e que a obra de Awa Thiam chega ao país quase 50 após o lançamento e com uma atualidade potencializada pela luz da consciência atual. “A escuta dessa mulheres foi muito importante para nomear como violências práticas encobertas como tradições. O poder da escuta é transformador e humanizador”.

Mônica e Lilia, além de especialistas na saúde e na palavra, também revelaram que são especialistas na arte de escutar. Elas ressaltaram que a escuta sempre foi uma companheira desde sempre e um instrumento de pertencimento e conexão com as pessoas. Esse amor pelo ouvir genuinamente foi despertado dentro de casa.

“A escuta produz a experiência de vida compartilhada. A pessoa se torna um pouco a gente e a gente se torna a pessoa. A escuta não nos deixa sozinhas no mundo. A escuta recíproca entre minha irmã mais velha Débora e eu nos fez constituir muito próximas. A experiência do partilhamento é muito feliz. Escutar é refletir sobre o mundo e o universo. A Débora é a mulher negra que eu mais gosto de escutar. Sou a do meio”, revelou Mônica.

Lilia contou que a fala sempre foi um material muito importante dentro de casa. “Eu fui uma criança um pouco solitária. A minha irmã é 7 anos mais nova. Cresci entre adultos. Me interessa muito pelas falas, pela escuta. Ouvir a voz da minha avó, que falava pouco, me causava um conforto e alegria. Ali começou o meu gostar de ouvir. Observar e ouvir é primordial para quem trabalha na saúde. Isso pode mudar um quadro rapidamente e fazer toda a diferença”.

A autora disse que o seu primeiro livro, Amor avenida (lançado em 2014 e reeditado pela Editora Patuá em 2022), nasceu da escuta. “Quando eu comecei a escrever, fui inspirada pelas escutas de mulheres como minha mãe, vinha avó, vizinhas… Aprendi a ouvir com paciência e anotar as coisas que elas falavam. A minha avó, Maria Julia, foi a mulher que eu mais gostei de ouvir em minha vida. Eu gosto de conversar com todas as mulheres com quem eu tenho a oportunidade, em casa ou no ponto de ônibus. Me tornei uma entrevistadora. Sempre me interessa o que as mulheres têm a dizer, sobretudo as mulheres negras”.

Mônica apontou que o livro “Com a palavra, as pretas” causa, num primeiro aspecto, o impacto que as experiências relatadas contêm. “São narrativas viscerais cotidianas atravessadas pelas violências econômicas, de gênero e sociais. Tudo está conectado. O que choca é perceber a dimensão da violência e como ela atravessa a experiência diaspórica através do globo, e dimensiona como a gente vive a colonialidade. A gente não superou as estruturas”.

Após o impacto inicial, o livro de Awa Thiam destaca, prossegue a psicanalista, “as similaridades que nos aproximam como mulheres negras do Brasil e da África. A autora nos convoca a uma luta para superar essa condições, algo que requer que estejamos irmanadas independente do lugar e do país. Não somos iguais, mas ao mesmo tempo temos as nossas singularidades e uma experiência social partilhada. Poucos livros que tratam da experiência e da saúde diaspórica negra tem uma escrita tão profunda e primorosa”.

Lilia observou que a escuta é um instrumento que também ensina a ler o silêncio, e que “a pergunta interessada evoca uma resposta interessada e faz a pessoa a se ouvir e refletir sobre o que está falando. A autora nos mostra que, muitas vezes, o que parece ser, nem sempre o é quando ouvimos a outra pessoa”, apontou ela, ressaltando que a construção social colonizadora coloca as mulheres negras em um de raivosas, como se isso não fosse uma resposta às violências a que são submetidas cotidianamente.

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